Entrevista: Bruce
M. Metzger, Ph.D.
Escreveu ou editou 50 livros, dentre
eles The New Testament: its background, growth, and content [O Novo
Testamento: seu cenário, desenvolvimento e conteúdo]; The text of the New
Testament [O texto do Novo Testamento]; The canon of the New Testament [O cânon
do Novo Testamento]; Manuscripts of the GreekBible [Manuscritos da Bíblia
grega]; Textual commentary on the Greek New Testament [Comentário textual sobre
o Novo Testamento grego]; Introduction to the apocrypha [Introdução aos
apócrifos] e The Oxford companion to the Bible [O guia bíblico Oxford]. Muitos
desses livros foram traduzidos para o alemão, chinês, japonês, coreano, malaio
e outras línguas. Ele é também co-editor da The new Oxford annotated Bible
with the apocrypha [A nova Bíblia Oxford anotada com os apócrifos] e editor
geral de mais de 25 volumes da série New Testament tools and studies [O Novo
Testamento: ferramentas e estudos].
Metzger é mestre
pelo Seminário e pela Universidade de Princeton, onde fez também seu doutorado.
É doutor honorário por cinco faculdades e universidades, dentre elas a St.
Andrews University, da Escócia, a Universidade de Munster, na Alemanha, e a
Potchefstroom, da África do Sul.
Se tudo que temos são cópias de cópias, como ter certeza de
que o Novo Testamento que temos hoje é, no mínimo, semelhante aos escritos
originais?
Não é só a Bíblia
que está nessa situação, outros documentos antigos que chegaram até nós também
estão. A vantagem do Novo Testamento, principalmente quando comparado com
outros escritos antigos, é que muitas cópias sobreviveram.
Quanto maior o
número de cópias em harmonia umas com as outras, sobretudo se provêm de áreas
geográficas diferentes, tanto maior a possibilidade de confrontá-las, o que nos
permite visualizar como seriam os documentos originais. A única forma possível
de harmonizá-los seria pela ascendência de todos eles à mesma árvore genealógica
que representaria a descendência dos manuscritos.
E
quanto à idade dos documentos? Isso também é importante?
Esse elemento é
outro dado que favorece o Novo Testamento. Temos cópias que datam de algumas
gerações posteriores ao escrito dos originais, ao passo que, no caso de outros
textos antigos, talvez cinco, oito ou dez séculos tenham se passado entre o
original e as cópias mais antigas que sobreviveram. Além dos manuscritos
gregos, temos também a tradução dos evangelhos para outras línguas numa época relativamente
antiga: para o latim, o siríaco e o copta. Além disso, temos o que podemos
chamar de traduções secundárias feitas pouco depois, como a armênia e a gótica.
Há várias outras além dessas: a georgiana, a etíope e uma grande variedade.
Mesmo que não
tivéssemos nenhum manuscrito grego hoje, se juntássemos as informações
fornecidas por essas traduções que remontam a um período muito antigo, seria
possível reproduzir o conteúdo do Novo Testamento. Além disso, mesmo que
perdêssemos todos os manuscritos gregos e as traduções mais antigas, ainda
seria possível reproduzir o conteúdo do Novo Testamento com base na
multiplicidade de citações e comentários, sermões, cartas etc. dos antigos pais
da igreja.
De que modo a multiplicidade de manuscritos contrasta com
outros livros antigos normalmente reputados pelos eruditos por confiáveis?
Veja o caso de
Tácito, o historiador romano que escreveu os Anais por volta de 116 d.C.
Seus primeiros seis livros existem hoje em apenas um manuscrito, copiado mais
ou menos em 850 d.C. Os livros 11 a 16 estão em outro manuscrito do século xi.
Os livros 7 a 10 estão perdidos. Portanto, há um intervalo muito longo entre o
tempo em que Tácito colheu suas informações e as escreveu e as únicas cópias
existentes. Com relação a Josefo, historiador do século I, temos nove
manuscritos gregos de sua obra Guerra dos judeus, todos eles cópias
feitas nos séculos X a XII. Existe uma tradução latina do século IV e textos
russos dos séculos XI ou XII.
Há, hoje, mais de
5 mil manuscritos do Novo Testamento grego catalogados.
O volume de
material do Novo Testamento é quase constrangedor em relação a outras obras da
Antiguidade. O que mais se aproxima é a Ilíada de Homero, que era a
bíblia dos antigos gregos. Há menos de 650 manuscritos hoje em dia. Alguns são
muito fragmentários. Eles chegaram a nós a partir dos séculos II e III d.C. Se
levarmos em conta que Homero redigiu seu épico em aproximadamente 800 a.C,
veremos que o intervalo é bastante longo.
Os mais antigos manuscritos
do Novo Testamento são fragmentos de papiros, que era um tipo de material para
escrita feito da planta do papiro que crescia às margens do delta do Nilo, no
Egito. Existem atualmente 99 fragmentos de papiros com uma ou mais passagens ou
livros do Novo Testamento. Os mais importantes já descobertos são os papiros
Chester Beatty, achados por volta de 1930. Destes, o número 1 apresenta partes
dos quatro evangelhos e do livro de Atos, datando do século III d.C. O papiro número 2 contém grandes
porções de oito cartas de Paulo além de trechos de Hebreus, e a data gira em
torno de 200 d.C. O papiro número 3 compreende uma seção enorme do livro de
Apocalipse, com data do século III d.C. Um outro grupo de manuscritos de
papiros importantes foi comprado por um bibliófilo suíço, Martin Bodmer. O mais
antigo deles, de aproximadamente 200 d.C, contém cerca de dois terços do
evangelho de João. Um outro papiro, com partes dos evangelhos de Lucas e João,
é do século III d.C.
Qual é a parte mais antiga que temos hoje?
Um fragmento do
evangelho de João com parte do capítulo 18. Tem cinco versículos, três de um
lado, dois de outro e mede cerca de 6,5 por nove centímetros.
Foi comprado no
Egito em 1920, mas passou despercebido durante anos em meio a outros fragmentos
de papiros semelhantes. Em 1934, porém, C. H. Roberts, do Saint Johris College,
de Oxford, trabalhava na classificação de papiros na Biblioteca John Rylands,
em Manchester, na Inglaterra, quando percebeu imediatamente que havia deparado
com um papiro em que se achava preservado um trecho do evangelho de João. Pelo
estilo da escrita, ele foi capaz de datá-lo.
Ele concluiu que o
manuscrito era de cerca de 100 a 150 d.C. Muitos outros paleógrafos famosos,
como sir Frederic Kenyon, sir Harold Bell, Adolf Deissmann, W. H.
P. Hatch, Ulrich Wilcken e outros, concordam com sua avaliação. Deissmann
estava convencido de que o manuscrito remontava pelo menos ao reinado do
imperador Adriano, nos anos 117 a 138 d.C, ou até mesmo ao do imperador
Trajano, entre os anos 98 e 117 d.C.
Temos aqui um
fragmento muito antigo do evangelho de João proveniente de uma comunidade das
margens do rio Nilo, no Egito, muito distante de Éfeso, na Ásia Menor, onde o
evangelho provavelmente foi escrito.
Temos os chamados
manuscritos unciais, escritos inteiramente em letras gregas maiúsculas. Temos
hoje 306 exemplares, muitos dos quais remontam ao início do século III. Os mais
importantes são o Códice sinaítico, que é o único com o Novo Testamento
completo em letras unciais, e o Códice Vaticano, bastante incompleto.
Ambos são de cerca de 350 d.C. Um novo estilo de escritura, de natureza mais
cursiva, emergiu por volta de 800 d.C. É chamado de minúscula, e há cerca de 2
856 manuscritos desse tipo. Há também os lecionários, que contêm as Escrituras
do Novo Testamento na seqüência de leitura prescrita pela igreja primitiva em
determinadas épocas do ano. Um total de 2.403 desses manuscritos já foram
catalogados. Com isso, o total geral de manuscritos gregos chega a 5.664.
Além dos
documentos gregos existem milhares de outros manuscritos antigos do Novo
Testamento em outras línguas. Existem entre 8 e 10 mil manuscritos da Vulgata
latina, mais um total de 8 mil em etíope, eslavo antigo e armênio. No
total, há cerca de 24 mil manuscritos.
No que se refere à multiplicidade de manuscritos e ao
intervalo de tempo entre os originais e nossos primeiros exemplares, qual a
situação do Novo Testamento perante outras obras bem conhecidas da Antiguidade?
Podemos confiar
imensamente na fidelidade do material que chegou até nós, principalmente se o
compararmos a qualquer outra obra literária antiga.
Essa conclusão é
compartilhada por estudiosos eminentes de todo o mundo. De acordo com o
falecido F. F. Bruce, autor de Merece confiança o Novo Testamento?, "no
mundo não há qualquer corpo de literatura antiga que, à semelhança do Novo
Testamento, desfrute uma tão grande riqueza de confirmação textual".
Segundo o sir Frederic
Kenyon, ex-diretor do Museu Britânico e autor de The paleography of Greek
papyrí [A paleografia dos papiros gregos], "em nenhum outro caso o
intervalo de tempo entre a composição do livro e a data dos manuscritos mais
antigos são tão próximos como no caso do Novo Testamento".
Não resta agora
mais nenhuma dúvida de que as Escrituras chegaram até nós praticamente com o
mesmo conteúdo dos escritos originais".
É provável que existam milhares de variações nos manuscritos
antigos que possuímos?
Isso não significa
que não podemos confiar neles. Em primeiro lugar, os óculos só foram inventados
em 1373, em Veneza. Tenho certeza de que muitos dos antigos escribas sofriam de
astigmatismo. Acrescente-se a isso a dificuldade que era, independentemente das
circunstâncias, ler manuscritos já apagados, cuja tinta havia perdido a
nitidez. Havia também outros perigos — falta de atenção da parte dos escribas,
por exemplo. Portanto, embora a maior parte dos escribas fosse escrupulosamente
cuidadosa, alguns erros acabavam passando.
Mas há outros
fatos que compensam isso. Por exemplo, às vezes a memória do escriba
pregava-lhe peças. Entre olhar o que tinha de copiar e, em seguida, escrever o
que lera, ele podia acabar mudando a ordem das palavras. Ele escrevia
exatamente as palavras que lera, porém na sequência errada. Isso não deve ser
motivo para se alarme, já que o grego, ao contrário de outras línguas, como o
inglês ou o português, é uma língua que admite flexões.
Faz uma enorme
diferença em português se você disser: "O cachorro morde o homem" ou:
"O homem morde o cachorro". A ordem das palavras é importante em
português, mas não no grego. Uma palavra pode funcionar como sujeito da oração
independentemente de onde esteja colocada. Consequentemente, o significado da
oração não fica truncado se as palavras não estiverem na ordem que consideramos
correta. Existe, portanto, uma certa variação entre um manuscrito e outro, mas,
em geral, são variações de somenos importância. As diferenças de grafia seriam
um outro exemplo.
O número parece
grande, mas engana um pouco pelo modo como as variações são computadas. Se uma
única palavra for escrita incorretamente em 2 mil manuscritos, contabilizam-se
2 mil variações.
Quantas doutrinas da igreja estão em risco por causa das
variações?
Não sei de nenhuma
doutrina que esteja em risco. Os testemunhas-de-jeová batem à sua porta e lhe
dizem: "Sua Bíblia está errada em 1João 5.7,8, onde se lê: 'o Pai, a
Palavra e o Espírito Santo; e estes três são um' (nvi, nota de rodapé). Eles dirão que não é assim que esse
texto aparece nos manuscritos mais antigos. E é verdade mesmo. Acho que essas
palavras só aparecem em cerca de sete ou oito cópias, todas dos séculos XV ou
XVI. Admito que esse texto não faz parte do que o autor de 1João foi inspirado
a escrever. Isso, porém, não invalida o testemunho sólido da Bíblia acerca da
Trindade. No batismo de Jesus, o Pai fala, seu Filho amado é batizado e o
Espírito Santo desce sobre ele. No final de 2Coríntios, Paulo diz: "A graça
do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo sejam com
todos vocês". A Trindade aparece representada em muitos lugares.
Os estudiosos
trabalham muito cuidadosamente para tentar solucioná-las, devolvendo-lhes o
significado original. As variações mais significativas não solapam nenhuma
doutrina da igreja. Qualquer Bíblia que se preza vem com notas que indicam as
variações de texto mais importantes. Mas, como eu já disse, esses casos são
raros.
São tão raros que
estudiosos como Norman Geisler e William Nix chegaram à seguinte conclusão:
"... o Novo Testamento não só sobreviveu em um número maior de manuscrito,
mais que qualquer outro livro da Antiguidade, mas sobreviveu em forma muito
mais pura (99,5% de pureza) que qualquer outra obra grandiosa, sagrada ou
não".
Como foi que os primeiros líderes da igreja determinaram
quais livros seriam autorizados e quais deveriam ser excluídos? Que critérios
foram utilizados para saber que documentos deveriam ser incluídos no Novo
Testamento?
A igreja primitiva
tinha basicamente três critérios. Em primeiro lugar, os livros tinham de ter
autoridade apostólica, quer dizer, tinham de ter sido escritos ou pelos
próprios apóstolos, que foram testemunhas oculares acerca do que escreveram, ou
por seus seguidores. Portanto, no caso de Marcos e Lucas, embora não
pertencessem ao grupo dos 12, diz uma antiga tradição que Marcos foi ajudante
de Pedro, e Lucas, companheiro de Paulo.
Em segundo lugar,
havia o critério de conformidade com o que era conhecido como regra de fé. Isto
é, o documento estava em harmonia com a tradição cristã básica que a igreja
reconhecia normativa. E, em terceiro lugar, procurava-se estabelecer se um
documento em especial gozara de aceitação e uso contínuos por toda a igreja.
Não seria muito
correto dizer que esses critérios eram simplesmente aplicados de modo
automático. É claro que havia diferentes opiniões sobre quais critérios
deveriam pesar mais. O que chama mais a atenção, porém, é que, apesar de a
periferia do cânon ter permanecido instável durante algum tempo, havia um alto
grau de unanimidade no tocante à maior parte do Novo Testamento durante os dois
primeiros séculos. Foi o que aconteceu em diversas congregações espalhadas em
uma área muito ampla.
Então os quatro evangelhos que temos no Novo Testamento
pautaram-se por esses critérios, ao passo que os outros não?
Sim. Foi, se é que
se pode falar assim, como se fosse uma espécie de "sobrevivência do mais
apto". Quando se referia ao cânon, Arthur Darby Nock costumava dizer aos
seus alunos em Harvard: "As estradas de maior trânsito da Europa são as
melhores; por isso o trânsito é tão intenso". É uma boa analogia. O
comentarista britânico William Barclay formulou o pensamento da seguinte
maneira: 'A verdade pura e simples é que os livros do Novo Testamento entraram
para o cânon porque não havia como impedi-los de entrar". Podemos estar
certos de que nenhum outro livro antigo pode se comparar ao Novo Testamento em
termos de importância para a história ou a doutrina cristãs. Quando estudamos a
história primitiva do cânon, saímos convencidos de que é no Novo Testamento que
encontramos as fontes mais fidedignas para a história de Jesus. Os que fixaram
os limites do cânon tinham uma perspectiva clara e equilibrada do evangelho de
Cristo. Leia os outros documentos e veja por si mesmo. Eles foram escritos
depois dos quatro evangelhos, nos séculos II a VI, muito tempo depois de Jesus,
e, em geral, são muito banais. Seus nomes, como o Evangelho de Pedro e o
de Maria, não correspondem aos autores verdadeiros. Por outro lado, os
quatro evangelhos do Novo Testamento foram prontamente aceitos com notável
unanimidade como portadores de conteúdo autêntico.
O Evangelho de Tome, encontrado em meio aos documentos de Nag Hammadi, descobertos
no Egito em 1945, alega conter "as sentenças ocultas que o Jesus vivo
pronunciou e Judas Tome, o Gêmeo, registrou". Por que esse evangelho não
foi aceito pela igreja?
O Evangelho de
Tome veio à luz no século V, em uma cópia em copta, que eu traduzi para o
inglês. Contém 114 sentenças atribuídas a Jesus, mas nenhuma narrativa do que
Jesus fez. Parece ter sido escrito em grego, na Síria, por volta de 140 d.C. Em
alguns casos, creio que esse evangelho relata corretamente as palavras de
Jesus, com pequenas modificações.
Por exemplo, no
evangelho de Tome (sent. 32), Jesus diz: "Uma cidade construída sobre alta
montanha e fortificada não pode cair, nem pode estar oculta". Aqui, foi
acrescentado o adjetivo "alto," mas o restante está em conformidade
com o evangelho de Mateus. Ou quando Jesus diz: "Dêem a César as coisas
que são de César e dêem a Deus as coisas que são de Deus, e me dêem o que é
meu". Nesse caso, a última frase foi acrescentada. Todavia, existem coisas
em Tome que são totalmente estranhas aos evangelhos canônicos. Jesus diz:
"Cortem a madeira, ali estou. Ergam uma pedra, e me acharão ali".
Isso é panteísmo, a idéia segundo a qual Jesus é coextensivo à substância deste
mundo. Isso se opõe a tudo o que encontramos nos evangelhos canônicos. O
evangelho de Tome termina com uma nota onde se lê: "Simão Pedro disse a
eles: 'Maria deveria deixar-nos, pois as mulheres não são dignas da vida'.
Jesus disse: 'Eu a guiarei para fazer dela homem, de modo que também ela possa
tornar-se um espírito vivo semelhante a vocês homens. Pois toda mulher que se
tornar homem entrará no reino do céu". Ora, esse não é o Jesus que
conhecemos dos quatro evangelhos canônicos — concluiu enfaticamente.
E quanto à acusação de que Tomé teria sido excluído
propositadamente dos concílios da igreja por algum tipo de conspiração para
silenciá-lo?
Não há base
histórica para isso. O que os sínodos e concílios fizeram no século V e nos
seguintes foi ratificar o que já tinha sido acatado pelos cristãos em toda
parte. Não é certo dizer que o Evangelho de Tome teria sido excluído por
algum decreto do concilio. O certo é que o Evangelho de Tome excluiu a
si mesmo! Ele não estava de acordo com os outros testemunhos sobre Jesus que os
cristãos primitivos consideravam dignos de confiança.
Creio que a igreja
primitiva agiu de modo sensato ao descartá-lo. Aceitá-lo agora, parece-me,
seria aceitar algo de valor inferior aos outros evangelhos. Mas não me entenda
mal. Acho que o Evangelho de Tome é um documento interessante, embora
contenha idéias panteístas e preconceituosas que sem dúvida o tornam indigno da
companhia dos demais. É preciso entender que o cânon não resultou de uma série
de disputas envolvendo políticas da igreja. O cânon, na verdade, é uma
separação decorrente da visão intuitiva dos cristãos. Eles ouviam a voz do Bom
Pastor no evangelho de João; mas, em Tome, ela soava obscura e distorcida em
meio a uma porção de outras coisas. Quando o cânon foi oficialmente fixado, ele
simplesmente ratificou o que a percepção generalizada da igreja já havia determinado.
Como se vê, o cânon é uma lista de livros autorizados mais do que uma lista
autorizada de livros. Esses documentos não têm autoridade pelo fato de terem
sido escolhidos; cada um deles já tinha autoridade antes de serem postos todos
juntos. A igreja primitiva simplesmente foi sensível e percebeu que os relatos
tinham autoridade. Se alguém disser que o cânon foi fixado só depois que os
concílios e as igrejas fizeram seu pronunciamento, é como se dissesse:
"Vamos pedir a várias academias de músicos para que digam que a música de
Bach e Beethoven é maravilhosa". Eu diria: "Obrigado por nada!
Sabíamos disso antes mesmo que o pronunciamento fosse feito". Sabemos
disso porque temos a percepção do que é boa música e do que não é. O mesmo vale
para o cânon.
Alguns livros do Novo Testamento, principalmente Tiago,
Hebreus e Apocalipse, demoraram mais para ser aceitos do que os demais. Isso
seria motivo para que suspeitássemos deles?
Na minha opinião,
isso demonstra apenas como a igreja primitiva era cautelosa. Eles não se
deixavam fascinar por qualquer documento novo com alguma referência sobre
Jesus. Isso é prova de deliberação e de análise cuidadosa. E claro que, ainda
hoje, setores da igreja síria recusam-se a aceitar o livro de Apocalipse, mas
os fiéis daquela igreja são cristãos. Para mim, o livro de Apocalipse é uma
parte maravilhosa das Escrituras. Acho que eles ficam mais pobres com essa
recusa.
Todos esse anos de estudos, de erudição, escrevendo livros e
se aprofundando nas minúcias do texto do Novo Testamento: que efeito teve tudo
isso sobre sua fé pessoal?
Fico feliz por ter
a oportunidade de falar sobre o assunto. Quando vejo a coerência de todo esse
material que chegou até nós em uma multiplicidade de cópias, algumas delas
antiquíssimas, a base de minha fé pessoal só pode crescer.
Sempre me
questionei, aprofundei-me nos textos, estudei-os do começo ao fim, e hoje digo
com certeza que minha fé em Jesus repousa sobre uma base muito sólida. Muito
sólida.