É
possível acreditar que os quatro evangelhos foram escritos pelas pessoas que
dão nome a eles?
Rigorosamente falando, os evangelhos são anônimos.
Mas o testemunho uniforme da igreja primitiva é que Mateus, também conhecido
por Levi, o coletor de impostos, e um dos 12 discípulos, escreveu o primeiro
evangelho do Novo Testamento; João Marcos, companheiro de Pedro, é autor do
evangelho que chamamos de Marcos; Lucas, o “médico amado” segundo Paulo,
escreveu tanto o evangelho que leva seu nome quanto os Atos dos Apóstolos. Não se
sabe de ninguém mais que pudesse tê-los escrito. Pelo que tudo indica, a
autoria desses três evangelhos não era motivo de disputa.
Será que alguém não teria algum motivo para mentir,
dizendo que aquelas pessoas escreveram os evangelhos, quando na verdade não o
fizeram?
Aquelas personagens eram
singulares. Marcos e Lucas nem sequer pertenciam ao grupo dos 12. Matheus sim,
mas era odiado porque fora coletor de impostos; portanto, depois de Judas
Iscariotes (que traiu Jesus!), seria ele a figura mais abominável. Compare isso
com o que aconteceu quando os fantasiosos evangelhos apócrifos foram escritos
muito depois. As pessoas atribuíram sua autoria a personagens conhecidos e
exemplares: Filipe, Pedro, Maria, Tiago. Esses nomes tinham muito mais
prestígio que os de Mateus, Marcos e Lucas. não haveria por que conferir a
autoria a esses três indivíduos menos respeitáveis se não fossem de fato os
verdadeiros autores.
E João? perguntei-lhe. — Ele era muito importante; na
verdade, João não era tão-somente um dos 12 discípulos, ele era um dos três
apóstolos mais íntimos de Jesus, juntamente com Tiago e Pedro.
Sim, ele é uma
exceção. E o mais interessante é que o evangelho de João é o único sobre o qual
paira uma certa dúvida quanto à autoria. Não há dúvida quanto ao nome do autor:
era João mesmo. A questão é que não se sabe se foi João, o apóstolo, ou se foi
outro. Segundo o testemunho de um escritor cristão chamado Papias, em
aproximadamente 125 d.C., havia João, o apóstolo, e João, o ancião, mas o
contexto não deixa claro se ele se referia a uma única pessoa de duas
perspectivas distintas ou a pessoas diferentes. Fora essa exceção, todos os
demais testemunhos afirmam unanimemente que foi João, o apóstolo, o filho de
Zebedeu, quem escreveu o evangelho.
Voltando a Marcos, Mateus e Lucas, que provas
específicas se tem de que são eles os autores dos evangelhos?
Uma vez mais, o
testemunho mais antigo e possivelmente mais significativo é o de Papias, que,
por volta de 125 d.C, afirmou especificamente que Marcos havia registrado com
muito cuidado e precisão o que Pedro testemunhara pessoalmente. Na verdade, ele
disse que Marcos "não cometeu erro nenhum" e não acrescentou
"nenhuma falsa declaração". Ele disse que Mateus preservara também os
escritos sobre Jesus. Depois, Ireneu, escrevendo aproximadamente em 180 d.C,
confirmou a autoria tradicional.
Alguns estudiosos dizem que os evangelhos foram
escritos muito depois dos acontecimentos por eles registrados. Com isso, as
lendas que se desenvolveram durante esse período acabaram por contaminar sua
redação, alçando Jesus de simples professor sábio ao mitológico Filho de Deus.
O senhor acha razoável essa hipótese ou será que existem indícios suficientes
de que a composição dos evangelhos é anterior a essa data, ou seja, antes que a
lenda pudesse corromper totalmente o que ficou registrado?
As datas estabelecidas
no meio acadêmico, mesmo nos círculos mais liberais, situam Marcos nos anos na
década de 70, Mateus e Lucas na década de 80, e João na década de 90. Observe
que essas datas ainda estão dentro do período de vida de várias pessoas que
foram testemunhas oculares da vida de Jesus, inclusive daquelas que lhe foram
hostis, e que por isso poderiam atuar como parâmetro de correção caso houvesse
em circulação algum ensinamento falso sobre Jesus. Conseqüentemente, essas
datas mais recentes para os evangelhos não são assim tão recentes. Na verdade,
é possível fazer uma comparação muito instrutiva. As duas biografias mais
antigas de Alexandre, o Grande, foram escritas por Ariano e Plutarco depois de
mais de 400 anos da morte de Alexandre, ocorrida em 323 a.C, e mesmo assim os
historiadores as consideram muito confiáveis. É claro que surgiu um material
lendário com o decorrer do tempo, mas isso só aconteceu nos séculos posteriores
aos dois autores. Por outras palavras, nos primeiros 500 anos, a história de
Alexandre ficou quase intacta. O material lendário começou a aparecer nos 500 anos
seguintes. Portanto, comparativamente, é insignificante saber se os evangelhos
foram escritos 60 ou 30 anos depois da morte de Jesus. Na verdade, a questão
praticamente inexiste.
O senhor acredita que eles foram escritos possivelmente
antes da data mencionada?
Sim, antes podemos
confirmar isso pelo livro de Atos, escrito por Lucas. Atos termina,
aparentemente, sem uma conclusão. Paulo é a personagem principal do livro, e se
encontra preso em Roma. É assim, abruptamente, que o livro acaba. O que acontece
com Paulo? Atos não nos diz, provavelmente porque o livro foi escrito antes da
morte dele. Isso significa que o livro de Atos não pode ser posterior a 62 d.C.
Assim, podemos recuar a partir desse ponto. Uma vez que Atos é o segundo tomo
de um volume duplo, sabemos que o primeiro tomo — o evangelho de Lucas — deve
ter sido escrito antes dessa data. E já que Lucas inclui parte do evangelho de
Marcos, isto significa que Marcos é ainda mais antigo. Se trabalharmos com a
margem aproximada de um ano para cada um, chegaremos à conclusão de que Marcos
foi escrito por volta de 60 d.C, talvez até mesmo em fins da década de 50. Se
Jesus foi morto em 30 ou 33 d.C, temos aí um intervalo de, no máximo, 30 anos
aproximadamente. Em termos de história, principalmente se compararmos com
Alexandre, o Grande, disse ele, é como se fosse uma notícia de última hora!
De que época datam os primeiros testemunhos mais
importantes sobre a expiação, a ressurreição e a relação única de Jesus Cristo
com Deus?
É bom lembrar que os
livros do Novo Testamento não estão em ordem cronológica. Os evangelhos foram
escritos praticamente depois das cartas de Paulo, cujo ministério epistolar
começou por volta do fim da década de 40. A maior parte de suas cartas mais importantes
são da década de 50. Para saber qual a informação mais antiga, vamos às cartas
de Paulo com a seguinte pergunta: "Existem sinais aqui de que fontes mais
antigas teriam sido usadas na redação dessas cartas?". Descobrimos que
Paulo havia abraçado alguns credos, confissões de fé ou hinos da igreja cristã
mais antiga. Esses elementos remontam ao alvorecer da igreja pouco depois da
ressurreição. Os credos mais famosos são os de Filipenses 2.6-11, que fala de
Jesus como tendo a mesma natureza de Deus, e Colossenses 1.15-20, onde Jesus é
descrito como a "imagem do Deus invisível", que criou todas as coisas
e por meio de quem todas as coisas foram reconciliadas com Deus,
"estabelecendo a paz pelo seu sangue derramado na cruz". Essas passagens
sem dúvida são importantes porque mostram o tipo de crença que tinham os
primeiros cristãos em relação a Jesus. Todavia, talvez o credo mais importante
no que se refere ao Jesus histórico seja o de 1Coríntios 15, onde Paulo usa uma
linguagem técnica para indicar que estava transmitindo essa tradição oral de
uma forma relativamente fixa.
Porque primeiramente
vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu por nossos pecados,
segundo as Escrituras, e que foi sepultado, e que ressuscitou ao terceiro dia,
segundo as Escrituras. E que foi visto por Cefas, e depois pelos doze. Depois
foi visto, uma vez, por mais de quinhentos irmãos, dos quais vive ainda a maior
parte, mas alguns já dormem também. Depois foi visto por Tiago, depois por
todos os apóstolos (1Co 15.3-7).
Essa é a questão. Se a
crucificação ocorreu em 30 d.C, a conversão de Paulo se deu aproximadamente em
32. Ele foi então levado imediatamente para Damasco, onde se encontrou com um
cristão chamado Ananias e alguns outros discípulos. Seu primeiro encontro com
os apóstolos em Jerusalém teria ocorrido em 35 d.C. Em algum momento desse
período, Paulo recebeu esse credo, que fora formulado pela igreja primitiva e
era usado por ela. Temos aqui, portanto, os principais fatos sobre a morte de
Jesus pelos nossos pecados, além de uma lista detalhada daqueles para quem ele
apareceu ressuscitado — tudo isso se dá no intervalo de dois a cinco anos
depois dos eventos propriamente ditos! Não se trata aí de mitologia elaborada
cerca de 40 anos ou mais depois, conforme pretende Armstrong. Pode-se
perfeitamente argumentar a favor da crença na ressurreição, muito embora não
haja nenhum registro escrito, que ela remonta aos dois anos posteriores ao
evento. Isso é de suma importância — disse ele, levantando um pouco a voz para
dar ênfase. Não estamos comparando 30 ou 60 anos com os 500 anos normalmente
aceitos para outros dados — estamos falando de dois anos!